Eu fiz pra Paula:

Tem gente que tem cheiro de chuva e brilho de sol. Que tem abraço quentinho e sorri com os olhos. Tem gente que agrada tanto quanto pipoca e deixa feliz igual a brigadeiro de panela em dia frio. Gente que encanta mais do que beija-flor e pesa menos do que borboleta. Tem gente que se apega a uma letra, mas se apega tanto que repete três vezes: PPP.

Alice…

“O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para sair daqui?”
“Isso depende muito de para onde você quer ir”, respondeu o Gato.
“Não me importo muito para onde…”, retrucou Alice.
“Então não importa o caminho que você escolha”, disse o Gato.

Sal, suor, sangue e Mamonas Assassinas

Ontem aconteceu uma parada cabulosa comigo. Só que pra contar eu vou ter que começar por anteontem, se não nem vai dar pra entender direito. Ih, caralho, vou ter que falar da Juliana também, não queria que ficasse grande. Mas, vai lá. Botei na cabeça de virar surfista, na real, não foi nada dessas paradas de me alinhar com o cosmos, saúde, buscar equilíbrio interior, chacras nem nada. Foi pra pegação mesmo. Mina adora essas paradas de surf. Só que esse negócio de “haole” começou a me encher e como eu era um perna-de-pau do surf achei que era melhor ficar na kanga só olhando. Eu teria até me mandando de lá, mas a galera era muito maneira. Principalmente a Juliana. A gente estudava no mesmo colégio, só que nunca tinha falado com ela. Agora a gente já ta namorando há 1 ano e pouco. Até que esse tal de surf foi bem maneiro comigo, me trouxe a Juliana, a galera, o Jack Johnson e a porra do equilíbrio, juro que comecei a ler umas paradas dessas, mas isso ninguém sabe, deixa quieto. Batia ponto lá quase todo dia, era meio afastada do centro e a galera gostava de lá por causa do “line up”. Mas eu batia ponto lá quase toda noite também, sabe como é, né, parceiro. Mas não era só pra sacanagem não, era também, é que a família da Juliana é meio contra essa parada de sexo, como alguém pode ser contra sexo eu não sabia até que achei uma comunidade do Orkut que me explicou tudo “minha sogra é assexuada e bota ovo” foi libertador. Então a gente sempre acha melhor não ficar muito na casa dela, podia dar bandeira. Eu acho isso um saco, mas como me amarro muito nela até que eu não reclamo. Daí sempre que a gente quer dar umazinha, conversar ou ficar só de bobeira fazendo nada a gente vai pra lá. O lugar é mais conhecido como “matadouro”, tai uma coisa que eu não concordo, pra mim tinha que ser “comedouro”, mas “haole” não opina, então eu fico quieto. Acontece que anteontem a gente tava lá no maior amasso dentro do carro, me amarro no gosto de sal que ela tem. Acho que a gente já ta meio impregnado de maresia, maneiro isso. E eu to lá, todo suado e derrepente eu só escuto – Putz, to menstruada – confesso que na hora que lembrei do estofado novo da minha mãe me deu até um frio no estômago, mas eu não ia parar por isso, né. Depois me lembrei da minha camisa velha do Mamonas Assassinas que tava no porta-malas, na hora bateu remorso de jogar fora, mas aí eu pensei que os caras do Mamonas iam até gostar de saber daquilo tudo, eles eram fodas. Limpei tudo, joguei a camisa num canto do mato e fui embora. No dia seguinte, lá tava eu de novo peladão no carro quando escuto a sirene. Cara, na real, seu eu não fiquei broxa naquela hora eu não fico nunca mais. Era um desses golzinho da PM. Fui saindo logo do carro e tentando explicar a minha situação. Mandei a Juliana ficar lá dentro mesmo, tava sentindo que ia dar merda pra ela, imagina se a minha sogra ovípara ia entender aquilo. Saíram dois tiozinhos de dentro do carro. Os dois com a maior cara de putos. E eu fui vestindo a calça e pedindo desculpas. O mais barrigudo com a maior cara de pai do mundo começou a dizer que aquilo ali era muito perigoso e que nós estávamos arriscando as nossas vidas. Na boa que nem fiquei puto com ele, senti que ele tava preocupado mesmo. Aí eu disse que não sabia que era perigoso e jurei por tudo que era santo que nunca mais a gente ia voltar lá. O outro tiozinho fez uma cara de sei lá o que e falou que a gente tava duvidando deles. Levantou e foi pro porta-malas da viatura. Não sei se foi a quantidade de filmes de terror que a Juliana me fez ver, mas nessa hora eu jurava que ele ia pegar uma pá pra enterrar os nossos copos. Foi então que ele vem lá de trás segurando a minha camisa do Mamonas cheia de sangue, sacudindo a camisa e dizendo – ta vendo aqui moleque, o que acontece com quem vem pra cá, eu to dizendo que é perigoso.

Ana Paula Abreu

* outro conto que escrevi pra disciplina “Oficina de Texto”

15 mandamentos do jornalista

1º) Não terás vida pessoal, familiar ou sentimental.
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2º) Não terás feriado, fins de semana ou qualquer outro tipo de folga.
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3º) Estarás condenado ao eterno cansaço físico e mental.
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4º) Terás gastrite, se tiveres sorte. Se fores como a maioria, terás úlcera, pressão alta, princípios de enfarte, estresse e depressão.
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5º) A pressa será tua sombra e tuas refeições principais serão o lanche da padaria da esquina, a pizza do pescoção ou uma coxinha comprada no buteco mais próximo do local onde realizarás as reportagens.
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6º) Teus cabelos ficarão brancos antes do tempo; se te sobrarem cabelos.
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7º) Tua sanidade mental será posta em xeque antes de completares cinco anos de trabalho.
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8º) Ganharás muito pouco, não terás promoção, não terás perspectiva de melhoria e não receberás elogios de seus superiores e leitores. Porém, as cobranças serão duras, cruéis e implacáveis.
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9º) Trabalho será teu assunto preferido; talvez o único.
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10º) A máquina de café será tua melhor colega de trabalho; a cafeína, porém, não fará mais efeito.
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11º) Os butecos que ficam abertos de madrugada serão tua única diversão e somente neles poderás encontrar malucos iguais a ti.
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12º) Terás pesadelos freqüentes com horários de fechamento, palavras escritas erradas, reclamações de leitores, matérias intermináveis, processos, gritos ao telefone… E, não raro, isso acontecerá durante o período de férias.
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13º) Tuas olheiras e mau humor serão teus troféus de guerra.
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14º) Por mais que sejas um profissional ético, serás visto na rua como um canalha.
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15º) E, apesar de tudo isso, haverá uma legião de “focas” querendo ocupar o seu lugar.

Recomeço

Blog velho, template novo. Esse conto eu escrevi pra uma matéria da faculdade.

Reflexo

Me vi ali. Parada, nua, na completa escuridão. Me sentindo tão vulnerável mas ao mesmo tempo tão livre. Foi desses momentos que você vive e percebe que está vivendo. Não daqueles que você só lembra depois que sabe que não vão acontecer mais. Engraçado, como se você pudesse viver e assistir ao mesmo tempo. Simultaneamente fazer e observar uma expressão facial. Observar no escuro. Eu já falei que estava escuro? Escuridão que me vestia, apesar de estar nua, e que me despia de minhas defesas. Que era escudo e que me deixava ali, disponível. Era tudo escuridão e silêncio e eu ouvi meu coração, não como os poetas e pagodeiros fazem, eu literalmente ouvi as batidas. Foi estranho, subitamente percebi que tinha um coração. Me percebi como viva, como pensante. Eu estava viva, e havia uma bateria de escola de samba pulsando no meu peito pra me provar isso. E era tudo vazio, onde havia coisas agora não havia nada. E não havia mais cheiro nem som. Nada além do meu coração que batia e batia. Pois e só em meio ao nada que se ouve o coração. E é no meio do nada, onde teoricamente nada podia me atingir que eu senti medo. O medo mais infantil de todos, o medo do escuro. O ridículo medo do nada. E de repente, a cegueira pelas trevas tornou-se a cegueira pelo excesso de luz. A energia tinha voltado e enquanto recuperava a visão foi se materializando ali, diante de mim, o reflexo do meu corpo nu e ensaboado no vidro blindex do banheiro.

Ana Paula Abreu